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Blog para apresentação de textos e desenvolvimento de práticas relacionadas à produção, manipulação, seleção, gerenciamento e divulgação de trabalhos de confecção de textos dos alunos e alunas do Professor Dr. Erivelto Reis, mediador, orientador e coordenador das atividades desenvolvidas no Blog, que tem um caráter experimental. Esse Blog poderá conter textos em fase de confecção, em produção parcial, em processo de revisão e/ou postados por alunos em fase de adaptação à seleção de conteúdo ou produção de textos literários.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

No Cinema com Flávio de Oliveira - Resenha do Filme Pura Melancolia

PURA MELANCOLIA

Por Flávio de Oliveira

            Lars Von Trier não é um cineasta comum. Seus filmes são indigestos, incômodos, controversos, e milimetricamente planejados. Von Trier sabe o que faz e está ai a sua genialidade. Essa sua forma de ver o mundo acaba chocando as pessoas. Talvez o cineasta possa entender isso como hipocrisia da parte dos outros, pois ele não tem medo de dar a cara à tapa. Ele gosta de polemizar, de fazer inimigos, de criticar o “sonho americano”, e tem um gosto sádico em provocar um desgaste físico e emocional em seu próprio elenco durante as filmagens de suas obras. Não é a toa que todas as atrizes que trabalharam com ele não guardam boas lembranças, mas elas nem podem reclamar muito, pois a maioria saiu com vários prêmios devido às suas atuações nos filmes do “cruel diretor”.
            Com sua última obra, “Melancolia”, o diretor causou furor no Festival de Cannes de 2011. Durante a coletiva de imprensa, ele soltou pérolas do tipo, “Descobri que eu era, na verdade, nazista” e “Eu entendo Hitler, simpatizo um pouco com ele.” Esses comentários causaram um enorme mal-estar e, embora o diretor tenha declarado depois que tudo era uma brincadeira, e tenha pedido desculpas publicamente, acabou banido do Festival, e ganhando o título de “persona non grata.”
            Definitivamente, o termo “politicamente correto” não combina com Von Trier. O cineasta ficou conhecido após fundar, junto com Thomas Vinterberg, o manifesto Dogma 95. Em favor de um cinema mais realista e menos comercial, o movimento tinha regras rígidas, entre os quais o uso de câmera na mão, iluminação natural, ausência de música e filmagem em locação. Por ironia, o seu único filme que segue essas regras é “Os Idiotas” (1998), pois o diretor quebrou suas próprias regras ao filmar “Dançando no Escuro”, em 2000. Está aí mais um fator polêmico em sua carreira.
            Gostar ou não do cinema de Von Trier é um caso à parte. Seus filmes, querendo ou não, provocam curiosidade, e você só pode ter uma opinião concreta se conseguir assistir algum deles até o final. É uma experiência reveladora - palavra de um cinéfilo.
            “Barra-pesada” é um termo que define bem seu estilo. Em 1996, ele filmou “Ondas do Destino”, um filme desconcertante sobre uma mulher casada com um homem paraplégico que, para dar prazer ao marido, leva desconhecidos para casa e faz sexo com eles. A partir dessa experiência, a personagem acaba tendo problemas mentais. Esse filme ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes e deu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz para Emily Watson. Em 2000, ele repetiu o feito com “Dançando no Escuro”, outra obra surpreendente estrelada pela cantora Björk, que foi premiada com a Palma de Ouro de Melhor Atriz. A própria cantora, em várias entrevistas, declarou que a experiência em trabalhar com Von Trier foi traumática. Talvez por isso, ela nunca mais tenha atuado no cinema. Apesar de toda essa polêmica, o filme deu ao diretor sua primeira (e até agora, única) indicação ao Oscar. Ele compôs a belíssima canção “I’ve seen it All”, ao lado de Björk.
            Em 2003, estreou “Dogville”, um filme inovador em todos os sentidos. O principal deles é o fato do filme não ter cenários. É um longa-metragem com três horas de duração; é divido em prólogo, capítulos e epilogo; a atriz Nicole Kidman come o pão que o Diabo amassou, e no final, o filme revela-se uma parábola sobre o fracasso da sociedade norte-americana. A obra causou tanta sensação que o diretor resolveu rodar uma continuação chamada “Manderlay”, em 2005, mas o resultado foi pífio. O fato da atriz Nicole Kidman ter se recusado a voltar por ter saído exausta das filmagens de “Dogville” contribui para o fracasso do filme. Ela foi substituída por Bryce Dallas Howard, e o que era tão inovador antes não teve o mesmo impacto, apesar de a continuação ser tão polêmica quanto o filme anterior.
            Quando ele lançou a comédia “O Grande Chefe” (2007), todos pensaram que ele estaria mudando seu estilo, pois é o filme mais leve de sua filmografia, mas Von Trier faz tudo de caso pensado, e estava apenas preparando terreno para “Anticristo” (2009), seu primeiro filme de terror. É um longa cruel e enigmático, cheio de simbolismo, carregado com cenas de violência (incluindo mutilação genital) e sexo explícito, e provocou tanto alvoroço em Cannes que muitos abandonaram a sala de exibição antes do término. A única que se deu bem nessa história foi a atriz Charlotte Gainsbourg, que foi premiada com a Palma de Ouro de Melhor Atriz.
            Chegamos então a sua última obra, chamado “Melancolia”, anunciada como um “disaster movie” (filme-catástrofe) ou “uma visão de Von Trier sobre o fim do mundo.” Conhecendo um pouco sobre o cinema de Von Trier, o filme não poderia ser apenas sobre uma catástrofe natural, mas sim sobre o fato de sermos seres humanos errantes, de termos sentimentos e fraquezas.
O título do filme não poderia ser mais apropriado. Melancolia significa tristeza profunda e duradoura. No filme, é o nome de um planeta que durante séculos ficou escondido atrás do Sol e está perto de colidir com o planeta Terra. Melancolia também é o estado em que a personagem principal, Justine (brilhantemente interpretada por Kirsten Dunst, premiada no Festival de Cannes) encontra-se em sua própria festa de casamento.
            Dividido em um prólogo e dois atos, o filme começa ao som da ópera “Tristão & Isolda”, de Richard Wagner, e durante oito minutos ficamos impressionados com as cenas em câmera lenta, belas como pinturas, que preparam o clima de “melancolia” que vamos testemunhar nas duas horas de filme.
            No primeiro ato, apesar de estar se casando, Justine não esconde que esse não é o dia mais feliz de sua vida. Ela desfaz a união em plena festa e mergulha em seguida na depressão. No segundo ato, enquanto o mundo aproxima-se do fim com a iminente colisão do planeta Melancolia com a Terra, o filme concentra-se em Claire (Charlotte Gainsbourg), irmã metódica e controladora de Justine, que está apavorada com a aproximação do gigantesco planeta.
            Muito se falou do “filme de ficção científica de Lars Von Trier”, assim como o terror de “Anticristo”, mas a questão “gênero” em seus filmes é apenas um detalhe devido aos dramas de dimensões psicológicas. “Melancolia” fala mais sobre um estado mental e emocional do que de um desastre cataclísmico.
            Por incrível que possa parecer, o filme também fala sobre esperança. O final do filme pode ser feliz ou não, dependendo do ponto de vista de quem assiste, mas é surpreendente por mostrar que, apesar de suas polêmicas, o diretor tem compaixão e, principalmente, esperança na raça humana.
“Melancolia” não é um filme pessimista e não deve ser visto dessa forma. Pelo contrário, é uma obra delicada cheia de sentimento feita por um cineasta genial, polêmico e incompreendido. Talvez você se identifique ou não, mas como disse antes, será uma experiência conhecer o cinema de Von Trier.

Melancholia, Dinamarca/Suécia/França/Alemanha, 2011. De Lars Von Trier. Com Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kieffer Sutherland, Alexander Skarsgärd, John Hurt e Charlotte Rampling. 136 minutos. Distribuição: Califórnia Filmes. Gênero: Drama.

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