FINAIS ALTERNATIVOS - VERSÃO 1 E 2
TEXTO SOBRE A ESCRITA CRIATIVA
As universidades, a escrita criativa e a formação de escritores
FINAIS ALTERNATIVOS - VERSÃO 1 E 2
Feuc
Rio de Janeiro, 03 de
Junho de 2017
Disciplina: Produção
Textual – Professor: Erivelto Reis
Aluno: Peter Larrubia – 1º
período Letras (Português/Literaturas)
Exercício: Criar um final
alternativo para o conto “Venha ver o pôr do sol” de Lygia Fagundes Telles.
Antes do Amanhecer
Raquel se deixou esvaecer junto às grades enferrujadas, a
pele lisa das mãos provando a aspereza do cárcere. Ela tossiu forte, sentindo o
gosto do sangue metálico na boca, não tinha mais forças para gritar, a garganta
doía como se tivesse engolido pequenas lâminas. O ar pesado e bolorento
preencheu seus pulmões com o bafo da morte. Frio e medo fizeram a moça encolher
no canto empoeirado da escada, os pelos arrepiados e os dentes tiritando como
se fossem quebrar. Quando Ricardo fechou a porta da igreja também levou consigo
a luz. Tudo que restava era uma fresta, que de tão estreita, deixava que ela
apenas intuísse o pôr do sol.
As lágrimas desceram até secar. Quanto tempo tinha se
passado? Meia hora? Uma? A exaustão embotou-lhe o desespero e, com ela, trouxe
algum arremedo de fé (Cansaço e resignação são os pais da má esperança).
Convenceu-se de que não precisava ter se atormentado. Era óbvio que Ricardo
voltaria. Tudo não passava de uma lição. Meio exagerada. Mas talvez, merecida.
Tentou falar em voz alta, pedindo a si mesma para manter a calma, mas estava
tão rouca que não conseguiu ouvir a própria voz. Restava agarrar-se à fé.
No entanto, o tempo se arrastou pelas paredes,
inexorável. Através das frestas do portal da igreja sentiu o crepúsculo com os
olhos semicerrados. A vida se extinguiu. O frio aumentou e tudo agora era breu,
quase palpável, tão escuro que não fazia diferença se estava de olhos abertos
ou fechados. Chorou de novo, até cair num sono frágil e desconfortável.
Foi quando ouviu a explosão. Muito perto. Depois outra.
Bombas? Paredes desabando? Depois outra e outra. E então uma sequência que
levou vários segundos. E ela entendeu porque as ruas eram tão silenciosas e
vazias quando chegaram ali. Era a final da copa do mundo. Todos estavam em casa,
ouvidos colados ao rádio. Ninguém entraria naquele cemitério. Apodreceria
naquele sepulcro, os fogos zombando de seu azar. Brasil teria sido campeão?
Heleno teria feito gol? Não, Heleno não foi convocado. Heleno, o nome que
Ricardo tinha escolhido para o filho deles. Ela chorou baixinho e rezou. Deus,
não me abandone, eu não sabia o que fazia.
Há quanto tempo foi? Ontem ou em outra vida?
É incrível o que pode mudar em um ano. Seu mundo vira de
cabeça para baixo e depois volta ao normal como num piscar de olhos. Mas nunca
volta para o mesmo lugar.
Ricardo sempre fazia amizade com crianças. Era um dom
natural. Os sobrinhos de Raquel o adoravam, jogavam bola e futebol de botão,
ele tinha uma paciência infinita. No segundo mês de namoro ele a pediu em casamento.
Sonhava em constituir família e ter seus próprios pimpolhos. Ora, nem emprego
ele tinha, vivia de bicos no comércio do tio. Raquel não respondeu, limitou-se
a rir. Ele não insistiu. Quando assinou carteira como vendedor no mercado do
centro, apareceu com uma pequena bola de futebol, dessas para bebês.
– Ele vai trazer o primeiro caneco pra seleção!
– Quem, Ricardo?
– Heleno Albuquerque da Silva. O maior artilheiro do
Brasil! Maior que o próprio Heleno de Freitas.
– Do que você tá falando, seu louco?
– Nosso bebezinho. Nosso filho.
– Eu mereço. – Ela revirou os olhos – Nem vou me casar
contigo, Ricardo, ainda mais ter um filho. Volte a estudar, faça uma faculdade
de direito ou medicina. Seja homem de verdade. Aí, talvez, eu pense em alguma
coisa.
Mas Raquel tinha um fraco além do usual para os desejos
da carne. Mantinha relações com Ricardo (só ele?) sem cuidados. Pouco mais de
três meses depois sua menstruação, que era pontual, não veio.
– Mas isso é ótimo, amor!
– Ótimo? Só se eu fosse maluca!
Ele escondeu os olhos marejados, aqueles olhos lisos e
juvenis. Um misto de felicidade e raiva.
– Eu assinei a carteira. Coisas boas virão. Uma criança
vai mudar nossa vida.
Ela se exasperou com a imaturidade e presunção de
Ricardo. Logo ela, Raquel de Ávila Albuquerque, ia se misturar com Ricardo da
Silva? Devolveu, irritada:
– E tem mais, como você sabe que é seu?
O rosto dele se transformou em algo branco e vazio.
Depois se preencheu de puro ódio. Socou a janela e sangue escorreu pelo punho, desceu
pelo antebraço e pingou no chão. Raquel soltou uma interjeição de medo e se
encolheu. Ele olhou em volta, deu as costas e saiu.
Duas semanas se passaram e Raquel fugia de Ricardo. Dizia
que não estava, saía pelos fundos, se esquivava. Até que ele a cercou quando
voltava sozinha do trabalho.
– Não importa. Se sou eu quem vai criar, então é meu.
– Você é mesmo louco.
– Por te amar? Por amar nosso filho?
Ela balançou a cabeça com força, demonstrando uma
incredulidade exagerada.
– Esquece isso tudo. Eu não devia ter falado contigo.
– Não posso esquecer. Eu te amo. Eu amo nosso filho.
Ela até tinha medo dele, mas a irritação provocou uma
raiva muito mais forte do que qualquer temor. Só queria se livrar da situação,
e a única maneira era contar logo:
– Olha só, Ricardo, olha para mim – Ela pegou a cabeça do
rapaz com as palmas das mãos – Eu acabei com tudo.
Ele não entendeu. Ela teve que continuar:
– Não tem mais. Entendeu? – Ela esperou uma resposta, mas
ele limitou-se a encarar os olhos da moça sem esboçar reação – Eu acabei com
tudo.
Ele agarrou os pulsos de Raquel com força. Tanta força e
por tanto tempo que ela sentiu as mãos ficarem dormentes.
– Me solta! – Ela tentou reagir.
– O que você tá dizendo sua filhinha de papai mimada? –
Os olhos dele começaram a mudar, como se tivessem envelhecido – Sua rameira,
meretriz!
Ela só queria ir embora. Só queria que ele morresse. Mas
ele insistia em ficar no caminho. Insistia em atrapalhar. Foi divertido por um
tempo. Ele era bom de cama, sim, certamente o melhor, mas só isso. Não dava
para entender essas atitudes de Ricardo. Por que não a deixava em paz? Ela só
queria uma saída, qualquer coisa, e naquele momento, a verdade era a melhor das
armas:
– Acabou, Ricardo. Não tem mais nada entre a gente.
Nenhum elo. Acha mesmo que eu ia deixar você destruir minha vida? Acabou!
Mas ele, além de pobre, era burro, insistiu em
atrapalhar, em atravancar sua vida, em não entender.
– Acabou o que, Raquel?
Ela puxou os braços com toda a força, as mãos dormentes,
quase mortas, os olhos manchados de raiva. Como ela odiava a si mesma por se
envolver com Ricardo, como ela odiava esse proletariadozinho.
– Acabou, idiota! Eu matei o seu filho.
As
universidades, a escrita criativa e a formação de escritores
Peter Larrubia
Tenho
feito três perguntas para professores universitários, entre eles mestres e
doutores, de diversas instituições publicas e privadas da área de Letras:
1)
Por que a disciplina Escrita Criativa é praticamente ausente da grade de
Letras?
2)
Por que, a exemplo do curso de música que forma músicos, de Artes plásticas que
forma artistas plásticos, e assim por diante, o curso de letras não forma
escritores?
3)
É possível ensinar a escrever?
Para
a terceira pergunta a reposta foi praticamente unânime: sim. A exemplo do curso
de jornalismo, a escrita fluida e atraente pode ser aprendida como um pintor
aprende a combinar cores. As divergências começam a surgir quando essa escrita
é a de ficção. Voltarei a esse ponto nevrálgico ao final do texto. Por hora,
vamos nos deter aos argumentos para as duas primeira perguntas. Elas podem ser
encaradas sob três perspectivas: a cultural, a institucional e a pessoal.
A
cultural diz respeito aos costumes petrificados no Brasil que nos remetem ao
imaginário popular do artista como possuidor de um dom inato. Onde, não só esse
dom não pode ser ensinado, mas quem o possui não precisa estudar para
aprimora-lo. Vem-me à mente a famigerada frase do jogador de futebol, Romário,
“Treinar pra quê, se eu já sei o que fazer?”. E esse jogador é hoje senador da
nossa republica. O que diz muito sobre nosso país. No momento, não vou me deter
nos porquês, mas tenho convicção de que essa cultura não só é errônea, mas,
prejudicial.
A
perspectiva institucional diz respeito à história do nascimento das
universidades e dos cursos de Letras. Seus fundadores eram críticos, e não
escritores. Portanto, carregamos esse legado que foca os estudos universitários
em linguística e teoria literária até hoje.
Sobre
o ensino e prática da escrita criativa na faculdade sob as perspectivas
pessoais, as principais dúvidas que surgiram foram:
-
Como julgar a produção do aluno? A resposta vem com outra pergunta: como fazem
nos cursos de música e artes plásticas? Bem, vamos ate lá para ver de perto.
-
Como chancelar que um aluno tornou-se escritor? Repito a resposta anterior e
complemento informando que a PUC do Rio de Janeiro já oferece o curso de
formação em escritor. como eles procedem? Lembro também que os EUA já fazem
isso há décadas. Pesquisemos.
-
O contato com grandes escritores e com teoria de nível muito complexo
funcionariam como inibidores do aluno que pretende escrever? Claro que não!
Estatisticamente pode até existir uma minoria que se sinta intimidada, mas
esses já iriam desistir diante de quaisquer outros percalços. A leitura de
grandes escritores só vai servir como fonte de pesquisa e inspiração. E o
contato com grandes críticos só vai gerar o conhecimento e o rigor necessário
para a formação de futuros bons profissionais da escrita de ficção.
Sócrates
disse: quem conta histórias rege a sociedade. Hollywood e a indústria da TV
perceberam isso há muito tempo. Hoje a China investe massivamente em cinema. A
Argentina começou a colocar o cinema como matéria no ensino fundamental. As
bienais do livro são testemunhas de verdadeira histeria coletiva por livros:
crianças, jovens e adultos devorando histórias e adorando autores. A demanda
por cursos e manuais de EC é enorme. Por que a academia de Letras deveria ficar
de fora dessa história? (Perdoem o trocadilho).
Não
é só uma questão de oportunidade, mas de um dever institucional e intelectual.
As universidades devem, diante dessa enxurrada de cursos e manuais de escrita,
participar ativamente da formação de escritores e contadores de histórias,
garantindo e fomentando uma formação adequada e uma produção de qualidade.