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Blog para apresentação de textos e desenvolvimento de práticas relacionadas à produção, manipulação, seleção, gerenciamento e divulgação de trabalhos de confecção de textos dos alunos e alunas do Professor Dr. Erivelto Reis, mediador, orientador e coordenador das atividades desenvolvidas no Blog, que tem um caráter experimental. Esse Blog poderá conter textos em fase de confecção, em produção parcial, em processo de revisão e/ou postados por alunos em fase de adaptação à seleção de conteúdo ou produção de textos literários.

domingo, 6 de julho de 2025

FAIXA 4 - VOLUME 2 - CARTA À AMADA - HERBERTO HELDER - Poesia Portuguesa MusIcAda - Produzido por Erivelto Reis

FAIXA 4 - VOLUME 2  

Carta à Amada - Herberto Helder

Poesia Portuguesa MusIcAda - Produzido por Erivelto Reis

Projeto Euterpe, Erato & Erivelto Reis - Poesia Portuguesa MusIcAda (2025)

Idealização e Produção: Erivelto Reis

 



 Acessem:

 

 

Carta à Amada

Herberto Helder

 

Sou mais alto do que a palmeira,

porque os meus olhos chegam às palmas,

chegam às aves voando por cima das palmas.

Sou mais longo do que um rio,

porque ouço o longínquo rumor do mar

ou fechado os olhos vejo o fulgor das praias.

Sou mais poderoso do que uma leoa,

porque a minha dor escrita chega mais longe que o seu rugido,

chega às mãos da minha amada, a dor escrita,

chega mais longe que o rugido

a dor escrita chega às mãos da minha amada.

 

O poema "Carta à Amada" de Herberto Helder é uma declaração de amor intensa e hiperbólica, onde o eu lírico exprime a magnitude de seus sentimentos através de comparações com elementos da natureza. A estrutura do poema é construída em uma série de analogias que crescem em complexidade e profundidade, culminando na ideia de que sua "dor escrita" é a mais potente forma de comunicação de seu amor.

Análise Detalhada

  • Hipérbole e Grandiosidade: O poema se destaca pelo uso extensivo da hipérbole, uma figura de linguagem que exagera intencionalmente a realidade. O eu lírico não é apenas alto, mas "mais alto do que a palmeira"; não é apenas longo, mas "mais longo do que um rio"; e não apenas poderoso, mas "mais poderoso do que uma leoa". Essas comparações exageradas servem para enfatizar a imensidão de seus sentimentos e a profundidade de sua experiência.
  • A Expansão dos Sentidos: Herberto Helder explora a capacidade dos sentidos do eu lírico de transcender os limites físicos:
    • Visão: "os meus olhos chegam às palmas, / chegam às aves voando por cima das palmas." A visão do eu lírico alcança além do que uma palmeira naturalmente permite, sugerindo uma percepção elevada e abrangente.
    • Audição: "ouço o longínquo rumor do mar". Mesmo sem estar fisicamente no mar, o eu lírico capta seu som distante, indicando uma sensibilidade aguçada e uma conexão com o vasto.
    • Visão Interna: "ou fechado os olhos vejo o fulgor das praias." Aqui, a visão não é externa, mas interna, uma capacidade de evocar imagens vívidas mesmo com os olhos fechados, reforçando a ideia de uma mente e alma expansivas.
  • O Poder da Palavra Escrita: O clímax do poema reside na comparação com a leoa. Se a leoa é poderosa por seu rugido que se propaga, o eu lírico se considera mais poderoso porque sua "dor escrita" alcança um patamar superior. A "dor escrita" é um paradoxo poético: a dor que se torna arte, que é transmutada em palavras. Essa dor não é fraqueza, mas sim a matéria-prima de uma comunicação mais profunda e duradoura. A repetição do verso "a dor escrita chega às mãos da minha amada" enfatiza a chegada e o impacto dessa mensagem, superando até mesmo a força instintiva e selvagem do rugido. A palavra escrita, portanto, é elevada a um nível de alcance e intimidade que transcende a mera força física.
  • Amor e Vulnerabilidade: A "dor escrita" pode ser interpretada como a vulnerabilidade e a intensidade do sentimento do eu lírico, que ele não teme expor através da escrita. É a revelação de um sofrimento inerente ao amor, mas que se transforma em um elo poderoso e íntimo com a amada. A escrita se torna um canal direto para a alma, atingindo as mãos da amada como um toque, uma carícia, uma presença.
  • Conexão com a Natureza e Transcendência: Embora use elementos da natureza para suas comparações, o poema demonstra que o eu lírico é capaz de transcendê-los. Sua experiência e seus sentimentos são maiores do que os limites físicos e sensoriais da natureza. Ele se apropria do poder e da imensidão do mundo natural para expressar algo que é, em essência, humano e profundamente pessoal: o amor e a comunicação desse amor.

"Carta à Amada" é um poema que celebra a capacidade humana de sentir e expressar com intensidade. Herberto Helder, com sua linguagem rica e imagética, constrói um eu lírico que, através da hipérbole e da valorização da palavra escrita, declara um amor que é mais alto que as palmeiras, mais longo que os rios e mais poderoso que o rugido de uma leoa. A "dor escrita" é o ápice dessa grandiosidade, revelando a força da vulnerabilidade e a capacidade da arte de conectar almas de forma profunda e duradoura.

 

 

Herberto Helder (1930-2015) foi um dos mais enigmáticos e influentes poetas portugueses do século XX. Nascido em Funchal, Madeira, Helder construiu uma obra poética densa, visceral e de forte experimentalismo, que o consolidou como uma voz singular na literatura lusófona.

Reconhecido por sua recusa em aceitar prêmios literários e por manter uma vida reclusa e avessa à exposição pública, Herberto Helder transformou sua própria existência em parte do mito que o rodeava. Sua poesia é marcada por temas como o corpo, a alquimia, o sagrado, o profano, o desejo e a morte, explorados através de uma linguagem que muitas vezes desafia as convenções sintáticas e semânticas.

Entre suas obras mais célebres estão "Os Passos em Volta" (prosa), "A Mão" (poesia), "Poemacto" e "Ofício Cantante". Considerado por muitos como um "poeta maldito" à maneira de Baudelaire ou Rimbaud, Herberto Helder deixou um legado de uma poesia potente e transformadora, que continua a fascinar e desafiar leitores e críticos.

 

 

 

 

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