FAIXA 6 - VOLUME 2
MAR/INSCRIÇÃO - SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN -
Poesia Portuguesa MusIcAda - Produzido por Erivelto Reis
Projeto Euterpe, Erato & Erivelto Reis - Poesia Portuguesa MusIcAda (2025)
Idealização e Produção: Erivelto Reis
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A FAIXA É UMA UNIÃO DE DOIS POEMAS DE SOPHIA
[Mar]
Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.
[Inscrição]
Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar.
Poema “Mar” de Sophia de Mello Breyner Andresen
Este poema, com sua linguagem rica e sensorial, estabelece uma profunda identidade entre o eu lírico e o mar. A "metade da minha alma é feita de maresia" imediatamente conecta a essência do ser com o oceano, sugerindo uma natureza intrinsecamente ligada à inquietação e nostalgia.
A analogia entre a maré cheia e a insatisfação pessoal ("nunca nenhum bem me satisfez") revela uma busca incessante por algo que transcende o tangível. O mar, com suas ondas que se "levantam outra vez" após se desfazerem na areia, torna-se uma metáfora para a resiliência e a capacidade de superação do eu lírico ("após cada queda caminho para a vida"). A "nova ilusão entontecida" indica um ciclo contínuo de esperança e recomeço, mesmo diante das adversidades.
A dor compartilhada com o mar ("também tu revoltado e teatral / Fazes soar a tua dor pelas alturas") universaliza o sofrimento, tornando-o parte de um lamento cósmico. Finalmente, a pureza das ondas justifica a aversão do eu lírico ao que é "impuro, profano e sujo", elevando o mar a um símbolo de purificação e integridade. O poema, assim, explora temas como a busca, a resiliência, a dor existencial e a pureza, tudo sob a poderosa influência do elemento marinho.
Poema “Inscrição” de Sophia de Mello Breyner Andresen
Este minúsculo poema, um dístico, é uma poderosa declaração sobre arrependimento e desejo eterno. A frase "Quando eu morrer voltarei para buscar" estabelece um tom de promessa solene e inadiável, transcendendo a própria morte. O objeto dessa busca é precisamente o que faltou em vida: "Os instantes que não vivi junto do mar".
O mar aqui não é apenas um cenário, mas um símbolo de plenitude, liberdade e talvez de uma paz inatingível durante a existência terrena do eu lírico. Há uma clara nostalgia antecipada pelo que não foi vivido, uma melancolia pela oportunidade perdida que só a morte, paradoxalmente, parece capaz de corrigir. O poema, em sua concisão, evoca a fragilidade da vida e a força dos anseios não realizados, sugerindo que certos desejos são tão profundos que persistem para além da mortalidade. É um convite à reflexão sobre as prioridades e o valor do tempo presente.
SOBRE A AUTORA
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) foi uma das vozes mais proeminentes da poesia portuguesa do século XX. Nascida no Porto, desde cedo manifestou uma profunda ligação à literatura e à cultura. Estudou Filologia Clássica em Lisboa, embora não tenha concluído o curso, e publicou os seus primeiros versos em 1940.
Sua obra poética é marcada pela linguagem clara e precisa, uma busca constante pela transparência e uma profunda conexão com a natureza, especialmente o mar, que se torna um elemento recorrente e simbólico em seus poemas. O mar em Sophia não é apenas paisagem, mas espelho da alma, lugar de liberdade, pureza e mistério.
Além da natureza, temas como a justiça, a liberdade e a ética permeiam sua escrita. Sophia de Mello Breyner foi uma figura engajada politicamente, participando ativamente na luta contra a ditadura e, após a Revolução de 1974, foi eleita deputada. Para ela, a poesia era um ato de resistência, uma forma de lutar por um mundo mais justo.
Entre suas obras mais conhecidas estão "Poesia" (1944), "Mar Novo" (1958), "O Nome das Coisas" (1977), e "Coral". Além da poesia, escreveu contos e livros infantis aclamados, como "A Menina do Mar" e "A Fada Oriana".
Sophia de Mello Breyner Andresen foi a primeira mulher portuguesa a receber o prestigiado Prémio Camões (1999) e seus restos mortais foram trasladados para o Panteão Nacional em 2014, um reconhecimento de sua importância incontestável para a cultura portuguesa. Sua poesia continua a ressoar pela sua beleza, profundidade e a forma como celebra a vida e os elementos essenciais da existência.
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